A escultura: Observadora
Escultura em postura de contemplação e reflexão, instalada no telhado. Exposta do lado de fora trazendo tanto o olhar para o externo, quanto sendo a única obra que está disponível para visitação a qualquer hora e momento, estando o espaço aberto ou não, assim como os prédios pixados que ocupam a cidade.
O que poderia ser artisticamente tão intrigante quanto um prédio inteiro coberto de pixo?
Quais são os sentidos por trás das transgressões? Protesto? Prazer? Um ato de resistência contra o sistema vigente? Ego?
Qual o peso de um pixo em uma parede? E o que simboliza o ato de apagá-lo?
Seria um reflexo de gentrificação e higienização de espaços ou apenas parte da rotação natural da vida urbana?
Que movimentos ocupam a cidade, e como estão sendo representados – dentro e fora das instituições?


NA LATA FESTIVAL X STRAAT
"Entre o permitido e o excluído onde mora a arte?"
Collab com Marcelo Pasqua, orientação por João Correia
Festival Na Lata x Straat - São Paulo
5 de outubro - 16 de novembro 2024
Contexto da Obra: Entre o Apagamento e a Exposição
A instalação "Observadora" foi criada em resposta direta a uma decisão controversa tomada no início do festival: o curador optou por apagar a fachada do museu, originalmente coberta por diversos pixos, para dar lugar à exposição.
O museu, sendo um espaço dedicado à arte de rua, contraditoriamente eliminou as marcas mais autênticas da paisagem urbana – as intervenções que ele mesmo deveria celebrar. Especialmente se tratando de uma exposição na cidade de São Paulo, berço da pixação.
O ato de apagar os pixos trouxe à tona questões sobre o papel das instituições na preservação ou exclusão da cultura urbana. A obra questiona os limites entre o permitido e o excluído, o transitório e o permanente. Por isso, a mensagem "Entre o permitido e o excluído onde mora a arte?" não apenas intitula, mas também sintetiza as reflexões que a instalação provoca.
A escultura, instalada no telhado e exposta de forma acessível a qualquer momento, estabelece um diálogo direto com a cidade e com os movimentos que a ocupam. É um gesto que simboliza a resistência contra a higienização dos espaços e uma tentativa de devolver a arte ao público sem restrições.


A escultura, além de observadora, torna-se testemunha silenciosa do tempo, dos gestos que transformam a paisagem, sejam eles visíveis ou apagados.
Entre a permanência e o efêmero, o que define o espaço da arte?
A obra se torna parte da cidade, ou a cidade se torna parte da obra?
Assim como o pixo reivindica um lugar na memória coletiva, essa escultura também é um manifesto – não apenas do que é visto, mas do que se mantém, mesmo quando ignorado.


"Grafiteiros ou pixadores precisam estar presos à lata? Ou será que se trata de um estilo de vida, um conceito, um olhar crítico sobre o mundo?
Será que clonar a figura de uma pixadora e posicioná-la no imaginário coletivo da rua — como uma observadora, que, ao capturar a imaginação dos passantes, os desperta para um olhar crítico ao sistema — também serve como obra de uma pixadora? Ou será que pixadores e grafiteiros estão eternamente presos à lata para se expressarem?
Na década de 1950, no auge do expressionismo abstrato nos Estados Unidos, o crítico Harold Rosenberg trouxe a ideia de que, durante o ato de pintar, a ênfase estava na ação física do artista. Ele destacou a importância do processo criativo, do gesto e da ação, mais do que na obra acabada.
Essa atenção ao processo gestual e à interação com a vida real fora da arte iniciou um movimento gradual que, na década seguinte, libertou os artistas do pincel, com o surgimento dos happenings, da arte conceitual, entre outros. Houve uma mudança de percepção que expandiu os horizontes da arte e da expressão.
E quanto à arte de rua? Embora o pixo e o grafite compartilhem o espaço urbano, eles são movimentos distintos, cada um com suas próprias nuances, como teorizado por autores como Norman Mailer, Jean Baudrillard, Gustavo Lassala, entre tantos outros. Pensando sobre o pixo especificamente... ele já é caracterizado por uma ação física e uma carga performativa tão intensas, um olhar crítico singular — sem falar no código de conduta próprio, na crítica social, na atuação em rede e no forte senso comunitário que atravessa fronteiras regionais.
Será que não existem caminhos para que, assim como ocorreu no passado com a história da arte, o movimento do pixo — assim como o grafiti — também explore essas características que o definem, transcendendo suas ferramentas físicas e se tornando livre das latas?
Essa é uma das indagações exploradas na obra “A Observadora”, de Eneri em colaboração com Marcelo Pasqua, na qual a figura de uma pixadora foi clonada e colocada sobre um muro, observando a cidade enquanto fuma e segura uma lata, refletindo a relação entre a arte de rua, a cidade e o público."
— João Correia

